sexta-feira, 11 de março de 2011

DESCOLONIZAÇÃO EXEMPLAR ou GAIVOTAS QUE VOAM [RETORNADOS DAS EX-COLÓNIAS]

 


ADRIANO DE ALMEIDA
GOMINHO
[narrativa 1975-2005]
Jubilado da Aviação Civil, em Portugal
Ex-administrador em Timor,
Estudante do IV ano de Direito, em Lisboa


 
PRÓLOGO

É voz corrente que a integração dos chamados “Retornados/Refugiados” das ex-colónias portuguesas foi pacífica, e que Portugal até conseguiu superar a poderosa França nessa matéria! Há alguma verdade nessa afirmação, mas terá sido assim tão linear? O autor, na qualidade de funcionário-retornado, expulso de Timor, vai tentar pôr o leitor em contacto com pessoas, famílias e funcionários públicos que tiveram de recomeçar a vida em Portugal, debaixo de dificuldades mil e privações várias, após terem deixado para trás – TUDO - [quiçá, a própria alma), em nome de uma Descolonização a que chamaram, imagine-se, de “Exemplar”, e que, ainda hoje, em 1999, exibe as suas feridas crónicas - casos de Timor, Guiné e Angola - como é do conhecimento de todos. Pretendo, assim, com este modesto trabalho, prestar a minha justa homenagem a todos os “Retornados/Refugiados” que souberam engrandecer este Portugal, (nas artes, letras, ciências, ensino, funcionalismo público, construção civil,comércio, etc) na altura mais crítica das suas vidas e da sobrevivência deste país, recém saído do 25 de Abril de1974.

O autor
EDIÇÃO DIGITAL DO AUTOR
Lisboa, Maio de 2005
Agosto de 2006
adriano.gominho@sapo.pt


-I-
A FUGA



- Fujam, fujam... era a voz que se ouvia no cais de Lobito, naquela manhã de sol de 1975...
Ao longe, o matraquear das metralhadoras e o estoiro dos morteiros de sessenta milímetros. Era a guerra que chegara do mato e invadia a cidade. Malaquias tinha saído da casa para o seu emprego de contínuo no porto e só teve tempo para saltar para o bojo de uma traineira, ainda agarrada ao molhe por um cabo de aço, rangendo e pingando ferrugem amarelada. O motor foi ligado a todo o gás e a embarcação despreendera-se do cais, deixando um pedaço do cabo de aço ainda agarrado ao molhe. Malaquias, só com a roupa que levara no corpo para o serviço, um fato azul, gravata vermelha e camisa branca, foi atirado para o convés da traineira, ficando quase a lamber as tábuas cheirando a peixe seco e que forravam o castelo da proa. O mar estava grosso; as nuvens de fumo das morteiradas ainda toldavam a bela cidade de Lobito, com a restinga ao fundo, ladeada de coqueiros e de belas vivendas.
Malaquias teve medo de levantar a cabeça e olhar a sua cidade, através do buraco da âncora da traineira, por onde a água do mar entrava aos jorros...
Adeus Lobito, adeus minha terra de Angola!
Já recomposto do susto, o seu amigo Danny agarrado a uma boia com o nome da embarcação, o Bengo, ainda nem queria acreditar que estava a caminho de um porto mais seguro. A máquina fazia trepidar a estrutura da traineira, com a sua proa altaneira, cortando o oceano em direcção ao porto de Luanda, um pouco mais a Norte. O destino final seria Lisboa ou outro porto, depois de atestarem os depósitos para a longa viagem... A noite caíra e o Sol-posto manchava o mar com pinceladas alaranjadas e de um encarnado intenso. Algumas gaivotas seguiam a marcha do Bengo, à cata de restos da comida que não faltava a bordo. O rumo era Walwis Bay, na Namíbia, onde poderiam efectuar algumas reparações urgentes de que a traineira carecia. O Malaquias, ainda estupefacto, contemplava a costa angolana, pensando na família que ficara escondida no mato, esperando que a guerra acabasse, para se juntar a ele na cidade de Lobito. Relembrava-se de uma Angola em paz, com o porto cheio de barcos carregando ou descarregando mercadorias e traineiras despejando caixas de peixes apanhados ao largo de Moçâmedes e Baía dos Tigres. A traineira, já com a noite sobre o mar, após uma estadia breve em Walwis Bay, voltou a rumar para o Norte de Angola, passando por Novo Redondo e Porto Amboim...
Após alguns dias de mar, enfim, a cidade de São Paulo de Luanda, onde o Bengo iria fazer escala, para se reabastecer de combustível e víveres para uma longa viagem. Na memória do Malaquias, a saída inesperada da cidade de Lobito e o futuro incerto para a sua família. Deitando contas à vida com o seu amigo Danny, natural da bela cidade de Benguela, assim falava, perturbado pelo tantan do motor da traineira:
Espero chegar a Portugal e ver como vão as coisas por lá, após o 25 de Abril, e só depois mando ir a mulher e os meus dois filhos, ainda escondidos na mata em casa do meu sogro...
Danny, muito pensativo, limpando as unhas com um canivete e sentado sobre uma caixa de madeira ainda com as marcas da empresa de pesca (N & Silva), deitava contas à vida. Falou em voz alta:
É a guerra, amigo Malaquias? Enquanto Angola tiver esses malditos diamantes e o negro petróleo não vamos ter sossego...
A traineira branca de nome Bengo, após alguns dias de viagem, aportara Luanda para se reabastecer, não obstante o clima de guerra civil já aí reinante.
Numa tarde cinzenta, a traineira rumou mar alto, a caminho de S.Tomé a próxima escala - tendo na sua rota as ilhas de Cabo Verde, as Canárias, a Costa de Marrocos e, por fim, Portugal desejado. Bengo, donde vinham o Malaquias e Danny, chegou à costa portuguesa, mais precisamente ao porto de Lagos, no Algarve, após uma escala forçada em Las Palmas e em EL Jadida, em Marrocos. Pensavam ter encontrado a Terra Prometida Portugal - o país donde partiram os navegadores, séculos antes, à descoberta do Mundo.
(Não vou narrar a viagem, que só ela daria para mais cinco capítulos) mas, adiante:

-II-

A CHEGADA


Foi num 10 de Junho do ano de 1975 (Dia da Raça ou de Camões, como queiram), data em que pisaram, pela primeira vez, a terra portuguesa, ficando a traineira Bengo abandonada e triste, apodrecendo num cais de Lagos. A Capitania recolheu os refugiados. Foi então que ouviram a nova palavra Retornado, escrita numa guia, passada pelas autoridades, para se apresentarem em Lisboa no IARN [Instituto de Apoio aos Retornados Nacionais] recém-criado pelo governo português de então, para Apoio aos refugiados que chegavam, diariamente, das Ex-colónias portuguesas de África.
Danny chamaram-nos de Retornados?
Quem?
Aquele marinheiro da Capitania, o de boné sebento, barba por fazer e cravo encarnado no peito da farda!
Esse mesmo!
Sou refugiado e não Retornado dizia-lhe o Malaquias, bastante aborrecido! Nem sou de cá! Não nasci em Portugal! Sou de Angola, de Lobito! Refugiado e funcionário de Portugal, SIM...
Uma velha camioneta, estacionada debaixo de uma frondosa árvore, ia partir para Lisboa. Entraram. A viatura ainda tinha lugares vagos e iria parar, sucessivamente, na Vila do Bispo, Aljezur, Sines e Alcácer do Sal, antes de rumar para o IARN. Danny observava a cidade através da janela da velha camioneta, que largava para o ar uma densa fumarada negra. Todos os passageiros estavam calados e espantados com o que viam.
Passaram por uma das ruas de Lagos, onde decorria uma manifestação do PC, no meio de bandeiras encarnadas e cartazes:

Mais nenhum soldado mais para África,
Portugal para os portugueses,
África para os africanos

O Malaquias assim falou ao companheiro:
Isto está mau, caro amigo, penso que pior que Angola donde saímos, há já algumas semanas...
O motorista da fumegante e velha camioneta, rangendo os dentes, abrandou a marcha e viu-se engolido e forçado a parar junto a uma esplanada, para deixar avançar o desfile, cujos manifestantes entoavam, cedenciadamente, as tais palavras de ordem.: o povo unido jamais será vencido... Ao verem a camioneta com as letras do IARN, os manifestantes e os circunstantes tomaram mais ânimo e desataram aos berros:
Seus colonialistas vão mas é para as vossas terras! Correram connosco de lá e agora vêm tirar os poucos empregos que temos para os nossos filhos...
O motorista, de barba de vários dias, camisa bem suada nos sovacos e boné descaído sobre a testa, animado pelo ruído da rua, foi comentando, enquanto palitava os dentes ainda com bocados do pastel de bacalhau comido na tasca do tio Zé:
Pois é verdade! Já éramos poucos aqui e agora passo os dias a levar esses malandros dos retornados para o IARN, em Lisboa. Para os nossos filhos, os desta terra, nem uma camioneta para irem para as escolas, aqui a dois passos...
Malaquias, mesmo sem querer, entrou na conversa:
Olha, senhor motorista, se vocês tivessem feito uma descolonização “exemplar” e não um simples abandono das colónias ao bicho-homem, nós não estaríamos aqui, agora, entende!
O motorista desviou-se de um caixote de tomates, caído no pavimento, e não deu resposta ao seu interlocutor com a face queimada pelo mar, para bem de todos os passageiros já inquietos com o tom da conversa...
Entretanto, a manifestação política deixara a rua livre e concentrava-se, agora, na Praceta da Revolução, previamente preparada com altifalantes, tribuna de tábuas pregadas e bidons. A camioneta conseguiu seguir viagem pela marginal, com o mar à esquerda e as praias cheias de veraneantes, pois decorria o mês de Junho do ano de 1975.


CONTINUA...


http://retornados.home.sapo.pt/

terça-feira, 8 de março de 2011

DESCOLONIZAÇÃO: MELO ANTUNES ROMPE O SILÊNCIO “ AS ACUSAÇÕES QUE SPÍNOLA ME FAZ CONSTITUEM MONTAGEM GROSSEIRA


          Ernesto Augusto Melo Antunes, tenente-coronel e conselheiro da Revolução, é, ao mesmo tempo, um dos homens mais conhecidos e um dos mais desconhecidos. Porque Melo Antunes foi elevado à categoria de símbolo. E de bode expiatório para os inimigos do processo da independência das ex-colónias e para os anticomunistas de vários matizes que não lhe perdoam ter vindo à Televisão em 25 de Novembro dizer, no fundo, que em nome da democracia o PC não podia ser eliminado. Foi Melo Antunes o teórico do “Grupo dos Nove”, opondo-se ao projecto inegemónico do PCP e tentando, depois contrariar, no plano internacional, a sua estratégia política. A direita colou-se-lhe, então, por razões de ocasião, uma parte da mesma direita que agora o ataca enquanto símbolo. E o PCP deixou de o atacar por razões opostas.            António de Spínola critica-o duramente no “País Sem Rumo” e diversos órgãos de Comunicação Social não cessam também de o atacar. Sem conhecimento de causa. Emocionalmente. A história do processo da descolonização não foi, porém, feita até agora. Por isso mesmo o EXPRESSO resolveu ouvir os intervenientes mais responsáveis por ela ao nível das cúpulas políticas de então. E não podia de deixar de ouvir Melo Antunes que continua a assumir toda a sua actuação. Como parece não assumir, por exemplo, Mário Soares que quisemos ouvir, mas não teve tempo para nos receber. Esperamos, entretanto, a oportunidade prometida.
Pedimos, por isso, a Melo Antunes que nos desse a sua versão de como correram as coisas, que se pronunciasse sobre o livro do general António Spínola, que pensa do comportamento de Mário Soares, de então e de agora e quais as suas relações com o PCP.
          Melo Antunes falou longamente da sua experiência e revelou alguns episódios até agora pouco conhecidos e alguns mesmo inéditos, entre eles, o encontro em Amesterdão entre ele próprio, Almeida Santos e Óscar Monteiro da FRLIMO. Situa, também, o célebre texto dactilografado que tanta admiração causaria no major Casanova Ferreira, se entendermos ao que sobre o assunto disse o general Spínola. E muito mais. A entrevista aí fica. Entrevista de um político-militar que continua a gozar de vasta audiência em diversos sectores do mundo africano. Uma entrevista que o EXPRESSO pensa fará história. A que outrAs certamente se seguirão – A. de C.   

CONTINUA....http://www.espoliadosultramar.com/n8.html

AINDA OS ESPOLIADOS DE ÁFRICA

In  “Correio da Manhã” de 8 Maio 1996

As delegações das Associações dos Espoliados de MoçambiqueAEMO) e de Angola (AEANG), sempre atentos aos problemas dos portugueses que regressaram de África, solicitaram há pouco uma audiência ao Primeiro-Ministro. 
 Nesta reunião deram-lhe conhecimento dos inúmeros problemas que, apesar de passadas mais de duas décadas, continuam a atormentar os brancos e negros que, pela força das circunstâncias, tiveram de voltar à mãe-Pátria de mãos a abanar, como é do conhecimento geral, para salvarem as suas vidas. 
 E, naturalmente, a conversa debateu-se sobre a petição que está “enterrada” na Assembleia da República há já alguns anos, a solicitar a revogação do art.º 40 da Lei 80/77. 
 Com efeito, mau grado os esforços levados a cabo por aquelas duas Associações – nunca será demais afirmá-lo – os sucessivos Governos, que até hoje se instalaram no poder desde o 25 de Abril, estiveram-se nas “tintas”, falando bem e depressa, para que os espoliados/retornados pudessem reaver ou não os bens ali deixados, aliás, produto de muitos anos de trabalho, canseiras e sacrifícios de toda a ordem.
 Quer dizer, o artigo 40 viola o art.º 62 da Constituição da República Portuguesa onde se pode ler que a expropriação de bens só pode ser feita mediante pagamento de justa indemnização o que, infelizmente, não foi o caso que se passou.
 Todavia, se bem que haja uma semelhança entre os cidadãos portugueses vítimas das nacionalizações no ultramar e aqui em Portugal, constata-se que a chamada Lei das Indemnizações (Lei 80, de 26/10/1977) não os trata por igual, em virtude do disposto no art.º 40, na medida em que não contempla o direito dos portugueses espoliados de África à justa indemnização que lhes é devida. 
 Deste modo verifica-se, não só a inconstitucionalidade como a iniquidade do art.º 40, uma vez que já foram indemnizados ao abrigo da Lei 80/77, acima referida, os accionistas das Empresas com alicerces em Portugal e nacionalizadas pelos bens que tinham do Ultramar Português.
 E, como é óbvio, não estamos contra esta tomada de posição mas, isso sim, com o invés do que sucede com os portugueses e portuguesas espoliados de África porquanto, esta situação de não consideração das suas justas indemnizações, contraria a orientação unívoca do nosso ordenamento jurídico, para além do que se processou, no que se refere às indemnizações, com as demais nações da Europa que sofreram o mesmo revés como, por exemplo, a Inglaterra, a França, a Bélgica e a Itália.
 Neste contexto, o Estado descolonizado, ou seja, o Português tem a obrigação de indemnizar os espoliados de África, uma vez que a mudança do Poder Político, de que foi um dos intervenientes, foi a causa dos danos materiais verificados.
 E isto porque os retornados/espoliados são e serão sempre portugueses, quer queiram, quer não, os políticos, vivendo sob a mesma bandeira e ao som do mesmo hino, motivo por que será de toda a justiça as indemnizações pelos bens e direitos de que foram espoliados em África onde muitos nasceram e labutaram em prol duma terra, então portuguesa, que deixou de o ser, para desgraça de todos, com o 25 de Abril, etc., etc. No entanto, parece-nos oportuno realçar, para aqueles que na altura eram crianças e hoje são já homens responsáveis, que nós não perdemos o Ultramar porque este teve a sua independência, mas não o deveríamos ter abandonado como o fizeram, deixando milhares de portugueses e portuguesas entregues à “bicharada” que mataram muitos com os maiores requintes de selvajaria e barbaridade, o que jamais podemos esquecer – refiro-me aos retornados/espoliados. E, mercê dessa situação, aqueles países ainda estão mergulhados num banho de sangue e lágrimas e tudo devido ao facto das suas independências se terem feito sobre o joelho e de ânimo leve para mal dos nossos pecados, como é do conhecimento geral. Enfim, para esquecer mas, como é natural, para os retornados/espoliados jamais será possível, depois de tanta desgraça por que a grande maioria passou, por terem perdido todos os seus bens e muitos continuarem ainda, passados tantos anos, a vegetarem neste País que é Portugal.
 Por isso, o Governo actual, já que os anteriores nada fizeram neste sentido, deverá proceder à revogação do art.º 40 da Lei 80/77, por oportuno, que afronta os ex-residentes ultramarinos contra o será justo e de direito para que as indemnizações se processem, sem perda de tempo. Basta de tanto sofrer! 
  Artigo de Mário Silveira Costa
In  “Correio da Manhã” de 8 Maio 1996